Também hoje cuspirei em Hegel Por Annalena Benini
A filha que detesta a História dos homens, e os homens que dizem «mas o que eu tenho a ver com isso» (vocês merecem lavar a louça).
«Não existe a meta, existe o presente. Nós somos o passado obscuro do mundo, nós realizamos o presente.» (Carla Lonzi, verão de 1970)
Algumas noites atrás, pela primeira vez, minha filha começou a falar sobre universidade e esperanças. Como isso nunca tinha acontecido, e como cada vez que eu perguntava de forma desajeitada sobre o futuro ela respondia puxando o capuz da jaqueta sobre a testa e fugindo para outro quarto, fiquei em silêncio: só escutava. Para não irritá-la, para não estragar tudo, mas também porque me atingia a evidência: maior de idade, partir ou ficar, partir partir, mala quebrada, avião, talvez Amsterdã, morar sozinha, se agasalhar porque faz frio, morrer de fome, trabalhar, bartender, babá, vinho demais, ruas escuras à noite voltando para o quarto alugado, nunca uma mensagem para sua mãe. Em poucos meses tudo muda, é assim que acontece. E eu já sabia que ela não diria: mecânica racional. Já sabia que não diria: economia empresarial. De fato, ela disse: eu gosto de entender o que as pessoas fazem e por quê, quero estudar as histórias das pessoas. Meu marido não escondeu a felicidade e disse: claro, filosofia, você tem que estudar filosofia, lá dentro está tudo. Eu, muda, porque ao menos isso aprendi com filhos adolescentes: não causar mais estragos, ganhar tempo, nada de espontaneísmos, intervir só no final e não dar ideias que possam ser usadas contra você.
Benedetta tinha um copo cheio de Coca-Cola na mão, colocou sobre a mesa. De repente parecia uma mulher. Vou de memória agora, vocês têm que confiar em mim: «Não, não quero estudar o pensamento de todos aqueles homens que excluíram as mulheres da história e da vida. Não quero e isso me deixa infeliz, fico triste por eles e por mim: na escola estudo o que esses homens dizem e as mulheres nunca estão lá. No máximo morrem, ou são amantes de alguém, ou dão à luz. Como em História: quanto tenho que esperar para encontrar as mulheres? Fora Safo e Joana d’Arc se você faz o clássico. É injusto demais. Estudo e me sinto excluída, você acha bonito?». Depois acrescentou: pesado. Pesado não significa só pesado, significa muitas coisas, não necessariamente negativas. Faz parte do novo dicionário em movimento da língua italiana. Não quero dizer aqui o orgulho que senti. Lá só disse, batendo a mão na mesa: cuspamos em Hegel. Ela me olhou sem entender e disse: claro, também em Hegel, mesmo que eu tenha acabado de começar no programa, mas já não gosto dele. Meu marido acendeu outro cigarro, o vigésimo primeiro do dia. Ela tem dezessete anos e não conhece Carla Lonzi. Eu tenho bem mais e, claro, a conheço: seus livros de capa verde estão enfileirados numa prateleira baixa, são os Escritos de revolta feminina (A mulher clitoridiana e a mulher vaginal chocou meu filho quando tinha acabado de aprender a ler e soletrava todos os títulos dos livros com o dedo embaixo das palavras) e agora, justamente agora, a Âyiné publica, Cuspamos em Hegel e outros escritos (organização de Annarosa Buttarelli). Relê-lo é um choque, relê-lo é realmente pesado, não sei como dizer de outro modo. «As próprias mulheres aceitam se considerar ‘segundas’ se quem as convence lhes parece merecer a estima do gênero humano: Marx, Lenin, Freud e todos os outros. Escrevi Cuspamos em Hegel porque fiquei muito perturbada ao constatar que quase a totalidade das feministas italianas dava mais crédito à luta de classes do que à sua própria opressão», escreve em novembro de 1973.
Cinquenta anos atrás Carla Lonzi denunciava o patriarcado de Marx, Lenin, Freud e todos os outros. Denunciava a traição da revolução e da psicanálise: todas as coisas importantes, todas as mudanças importantes haviam considerado as mulheres pouco importantes, residuais, muitas vezes culpadas. Ora, se você nunca se sentiu oprimida, tanto melhor, nem minha filha se sente oprimida graças a Carla Lonzi que nem conhece e graças a todas as outras. Mas ela percebe, cinquenta anos depois, que aquele caminho não terminou em 1973, e que tudo o que aconteceu antes chega direto às nossas vidas de hoje sob forma de hábito de pensamento, sob forma de incômodo até, sob forma de lembranças distantes e, para muitas, sob forma de algo que já foi feito, já foi lutado, e que portanto não exige mais atenção. Agora chega, dizem muitas senhoras de então e até garotas de hoje, agora não exageremos, já fizemos muito. E é preciso tranquilizá-los, esses homens, senão fogem. Quero apenas dizer que não, eles não fogem. Nunca fogem.
Carla Lonzi transcreve entrevistas para o livro Autoritratto © ArchivioPietroConsagra Mineápolis, 1967
E então também hoje cuspamos em Hegel e na sua fenomenologia do espírito feita toda de homens que consideram a mulher uma imagem, um princípio divino feminino. E que teriam se matado se esse princípio divino tivesse sido dado a eles. Minha filha agora me interroga: por que Emily Dickinson, a poeta mais famosa do mundo, mais importante do mundo, escrevia: eu não sou ninguém? Porque não lhe permitiam ser alguém? Eu respondo constrangida que ela falava diretamente com o absoluto e com a natureza, não tinha tempo para as ninharias da fama e do reconhecimento, mas já não sei se é verdade. Era ela que rejeitava o mundo ou era o mundo que a rejeitava a ponto de enlouquecê-la, disfarçado de reverendos carrancudos que lhe escreviam cartas nunca à altura?
Os homens sempre falaram em nome do gênero humano, em nosso nome também, mas apagaram os rastros das mulheres, e até os romances de Jane Austen as mulheres não tinham direito à palavra e à conversação. Com Jane Austen começam a negociar o próprio destino, mas sempre dentro do casamento e sempre antes dos trinta anos. Enfim, sinceramente não acredito que os homens possam se dar ao luxo de dizer agora: que chato. De jeito nenhum. Nós engolimos todas aquelas guerras, aquelas façanhas, na escola todas aquelas datas de batalhas. Ainda hoje as datas me atormentam, a começar pela batalha de Salamina, que só lembro porque salaminha com molho e purê é meu prato preferido. Mas como poderia eu culpar minha filha por não se entusiasmar e se entristecer ao estudar uma história feita só de homens? «Nós não estamos na história porque nos impediram de estar, não porque dissemos: valeu galera, mas a gente prefere ir para casa lavar a louça e escolhe a invisibilidade», diz a adolescente que não lava a louça se antes o irmão não lavou, mas na verdade também não lava depois. Diz que tem um crédito com a história, mas eu também tenho, então sabe de uma coisa: vocês lavem a louça pelos próximos dois mil anos. Eles disseram: tudo bem, tem a lava-louças.
«Lemos na correspondência de Freud com a noiva: Querida, enquanto você se alegra com os cuidados domésticos, eu me deleito com o prazer de resolver o enigma da estrutura do cérebro», escreve Carla Lonzi em Cuspamos em Hegel. Pois bem, caro Freud, você não deve nem olhar para o meu cérebro a um quilômetro de distância. Nem para o da minha filha, nem para o das filhas dos meus filhos. Porque é disso que se trata: seguir em frente, depois de cuspir em Hegel. Não importa se vocês dizem: que chato. Não é para divertir vocês. Mas quando vocês dizem: «mas o que eu tenho a ver com isso», merecem lavar a louça pelos próximos três mil anos. «A mulher tal como é já é um indivíduo completo: a transformação não deve ocorrer sobre ela, mas sobre como ela se vê dentro do universo e como os outros a veem.»
Pois bem, agora a questão é como ela se vê dentro do universo, e portanto também como as outras mulheres a veem. As outras mulheres estão pensando nas mulheres que virão depois? Ou estão cansadas, convencidas de que podemos nos contentar? Quem se contenta são peixes dourados, não seres humanos. Ainda há as filhas, e depois as filhas das filhas, há toda aquela história rasgada para recuperar e há o presente que é excepcional. Como naquela belíssima canção do filme Mary Poppins (1964, super feminista), Sister Suffragette, cantada pela senhora Banks, esplêndida sufragista. Ela está alegre e convicta e canta diante das senhoras perplexas: «As filhas de nossas filhas nos adorarão e cantarão: bem feito, irmãs sufragistas».
Foi assim? Nem sempre, e lendo Carla Lonzi hoje, depois de cinquenta anos, isso fica muito evidente. Muitas pensam que estamos falando de emancipação, mas não é verdade: não tenho que me emancipar de ninguém, graças a Carla Lonzi e às outras, graças às sufragistas de Mary Poppins, mas não posso tolerar ser tratada com desconfiança e condescendência, assim como minha filha enlouquece quando um homem não lhe dirige a palavra porque ela é uma garota, e fala apenas com seu primo da mesma idade, sem sequer olhar para sua cara e sem pedir sua opinião. Eu percebo, agora que ela me diz, que isso também aconteceu comigo, e que talvez em algum lugar eu tenha considerado normal. Agora não, agora noto tudo e estou pronta para tudo (vocês sabem quem são, grandíssimos mal-educados, e eu não esqueço nada). «O feminismo é a descoberta e a realização do nascimento como sujeito das singulares componentes de uma espécie subjugada pelo mito da realização de si na união amorosa com a espécie no poder.» Até de Marie Curie conseguiram (e também conseguiram) dizer que, no entanto, ela era a esposa de Pierre, mesmo depois que Pierre morreu. E então armaram um escândalo sobre outro homem e outros dramas. Não basta cuspir em Hegel: é preciso um pouco de verdadeira gratidão pelas mulheres que fizeram todo o esforço, que dia após dia mudaram as coisas e que não têm nem nome, nem retrato, nem lápide, porque não tiveram a palavra. E também é preciso gratidão pelas nossas filhas, que nos ensinam a liberdade.