A ideia do poliamor é fascinante: e a sua realização?
28.04.2025

A ideia do poliamor é fascinante: e a sua realização? Por Martina Lodi

Tendemos a olhar apenas para as vantagens da suposta liberdade: por que nos privar de algo ou de alguém que pode nos dar prazer? Por que não podemos escolher tudo?

Escrever sobre poliamor no contexto de uma monografia dedicada à traição pode parecer — e talvez seja — uma escolha arriscada: se há uma prática da qual o poliamor, dizem, não se aproxima de forma alguma, é justamente a traição. Aliás, em muitos aspectos, os dois conceitos se definem em oposição um ao outro. Se a traição é pequeno-burguesa, imoral, hipócrita, conformista, o poliamor é (ou tem o potencial de ser, segundo muitos) progressista, ético, honesto e por aí vai.

A linguagem de quem vive relações poliamorosas muitas vezes lembra os discursos de Gorbatchov, presidente da URSS, aquele que tentou salvar a União Soviética do colapso introduzindo práticas de maior transparência — a palavra glasnost significa literalmente «publicidade», no sentido de «tornar público». Também no poliamor a transparência é fundamental: os sentimentos são comunicados e expressos de forma articulada, e a omissão parece ser o mais grave dos pecados. Pouco importam os sentimentos desagradáveis que os relatos do parceiro possam provocar: o ciúme deve ser desconstruído e substituído pela «compersão», definida como a alegria pela felicidade do parceiro em outra relação. O oposto desses acordos, dessa transparência ofuscante, é o pacto tácito que reina na maioria dos casais monogâmicos — isto é, nos casais em que se trai «apenas um pouco» — e que o colunista sexual Dan Savage ironicamente chamou de tolyamory. Trata-se de fechar os olhos para possíveis escapadas dos parceiros, e talvez seja essa a forma mais comum de não-monogamia: até porque, para trair sem ser pego, é preciso muita discrição, o que já reduz o número de traições. Relações longas, escreve Savage, são mais complexas e cheias de compromissos do que estamos dispostos a admitir: para alguns, aceitar ser traído sem saber pode ser, no fim das contas, o menor dos males.

No poliamor, por outro lado, o casal, sistema totalitário, pode se tornar moral, higiênica e mais democrática ao se transformar em um sistema aberto, do qual é removida a sombra da traição possível. Ao mesmo tempo, para cada um de seus membros se abrem possibilidades mais amplas, potencialmente infinitas, de amor, sexo e satisfação.

O termo poliamor (em inglês, polyamory) foi cunhado em 1990 pela californiana Morning Glory — nascida Diana Moore — esposa de Oberon Zell-Ravenheart, fundador e líder do grupo neopagão Church of All Worlds. O grupo religioso evoluiu a partir de um círculo de amigos e amantes que afirmavam ter experiências com o Divino, e se diziam devotos de Gaia (a Terra), de deuses e fadas de vários panteões — com destaque para o da Grécia Antiga. A definição de polyamory dada por Morning Glory ao Oxford English Dictionary descreve o termo como «a prática, a condição ou a capacidade de ter mais de um relacionamento amoroso e sexual ao mesmo tempo, com total conhecimento e consentimento de todos os parceiros envolvidos».

No ensaio Fifty Years of Polyamory in America, os autores Glen W. Olson e Terry Lee Brussel-Rogers analisam o contexto norte-americano e se perguntam quando os americanos começaram a praticar o poliamor — ou se, na verdade, pactos e acordos variados para manter múltiplos parceiros sempre existiram, de alguma forma. Eles citam, por exemplo, a comunidade cristã Oneida, um grupo comunal de «perfeccionistas» — uma crença heterodoxa baseada na ideia de que era possível vencer o pecado na Terra e viver em pureza absoluta — fundada em 1848 no estado de Nova York.

A comunidade Oneida praticava um tipo de união chamado «casamento complexo», no qual cada mulher era esposa de todos os homens, e vice-versa. Nesses experimentos comunitários — sempre restritos a pequenos grupos isolados — o amor livre era concebido como parte de uma experiência maior de vida compartilhada, que incluía, por exemplo, a desconstrução da família nuclear. Os Oneida, por exemplo, criavam os filhos em conjunto, pois «acreditavam que criar crianças era uma responsabilidade sagrada e coletiva, e que a decisão de ter um filho não poderia ser deixada apenas ao indivíduo. Ao contrário, cabia à comunidade escolher com quem e quando alguém teria um filho».

Também nos meios de comunicação, dos romances às séries de TV, o poliamor tem se tornado cada vez mais presente, a ponto de parecer, hoje, mainstream: das comunidades alternativas, a não-monogamia virou mais uma opção entre muitas que podem apimentar a vida sexual e amorosa dos casais monogâmicos — já nos anos 2000, na série The O.C., os pais modelo Sandy e Kirsten, preocupados por estarem ficando entediantes, vão juntos a uma festa de réveillon de troca de casais, mas acabam indo embora antes que qualquer um realmente acabe na cama com outra pessoa.

Na primeira temporada de Succession (HBO), exibida até o ano passado, Sarah Snook interpreta Shiv Roy, uma das herdeiras de Logan Roy — magnata da informação cuja família lembra a dos Murdoch, donos da FOX News, próxima dos ambientes republicanos e do presidente americano Donald Trump. Na noite de seu casamento com o ambicioso e fraco Tom Wambsgans (Matthew Macfadyen), Shiv revela suas dúvidas sobre a monogamia: Tom finge inicialmente estar aberto a um relacionamento aberto, mas depois recusa as repetidas propostas da esposa de terem, juntos, relações sexuais com outras pessoas.

Numa das cenas mais dolorosas da temporada seguinte, os dois discutem, e Tom a acusa de tê-lo forçado a aceitar um acordo com o qual nunca concordou, depois de tê-lo prendido casando com ele: «Você me disse que queria um relacionamento aberto na nossa porra da primeira noite de núpcias», diz ele, humilhado. «Eu não sou um hippie, Shiv. Eu não quero enfiar um dildo no meu... E não quero fazer threesome! Nossa porra de primeira noite de núpcias!»

A relutância de Tom em aceitar a não-monogamia diz muito sobre seu personagem: covarde e tradicionalista, ele está terrivelmente atrasado em relação ao seu tempo. O que ele não percebe é que, assim como os threesome ou a estimulação prostática, também abrir o próprio relacionamento hoje em dia está longe de ser uma prática de hippies. Shiv, afinal, também não é uma hippie — e talvez esse seja justamente o ponto: muito distante das comunidades alternativas dos anos 60, a não-monogamia foi, como se costuma dizer com uma expressão irritante mas precisa, normalizada em ambientes completamente tradicionais e até conservadores. Está longe de ser uma perversão de gente alternativa ou «bicho-grilo». Existe uma piada que diz que virar adulto é perceber quanta gente ao seu redor, que você nunca imaginaria, usa cocaína regularmente: de certa forma, o mesmo pode ser dito hoje sobre várias formas de não-monogamia. Vale notar, porém, que Shiv Roy não age movida por sentimentos nobres ao propor um relacionamento aberto: ela já vinha traindo Tom com um ex-amante, e para o espectador fica claro que sua proposta não passa de uma forma de se livrar da culpa do adultério.

De todo modo, a ascensão da não-monogamia não significa que ela seja mais praticada do que a monogamia tradicional — que continua sendo o modelo dominante.

Mauro Mendonça, Sônia Braga e José Wilker em 'Dona Flor e Seus Dois Maridos', 1976. Filme inspirado no livro de Jorge Amado.

Apesar de pouco praticado, o poliamor goza do privilégio de ser cool, e por isso está cada vez mais presente em nosso imaginário e em nossas conversas — talvez mais do que em nossas camas. Imagino, aliás, que, como acontece com o consumo de substâncias ou com os discursos sobre marxismo e a urgência de derrubar o capital, o debate sobre não-monogamia ética também se dá na intersecção de diversos eixos que funcionam como marcadores sociais. Na cidade onde moro, por exemplo, o ativismo é interseccional e radical, a maioria dos bares tem banheiros neutros, muita gente anda descalça na rua e a maior parte dos casais é não-monogâmica. «Sair com alguém aqui é uma tragédia», me disseram alguns colegas poucos dias depois que me mudei: o poliamor, entre jovens instruídos e de classe média alta, é tão comum que o dating se torna frustrante para quem se contentaria em estar com apenas uma pessoa — e que, por sua vez, não estivesse envolvida com outros parceiros. Não sei se essas mesmas dinâmicas se repetem da mesma forma — transformar o modo de se relacionar em um ato político, algo que define quem você é — em cidades menores e mais conservadoras, como aquela em que cresci.

Há uma tensão, acredito, entre não querer ser retrógrado e conformista e, ao mesmo tempo, sentir-se relativamente à vontade com as dinâmicas clássicas da monogamia, que leva muitos a se questionarem sobre as razões do poliamor. Será que somos pessoas ruins por não querermos saber com quem mais a pessoa com quem dormimos gostaria de ir para a cama? Somos hipócritas se preferirmos que — em última análise — isso aconteça em segredo, que não fiquemos sabendo, se preferimos nos preservar da dor? Ninguém quer ser Tom Wambsgans, tão provinciano e patético a ponto de não perceber que, afinal, querer transar com outras pessoas é algo completamente normal: então é melhor saber disso desde o início. A grande promessa do poliamor é, talvez, exatamente essa: se você consente com a enormidade do desejo — o seu e o do seu parceiro — vê-lo realizado não vai te fazer sofrer. A ideia geral é essa: saber que a pessoa com quem você está vai sair para jantar com outra pessoa, que esse jantar vai levar a beijos na frente de um bar e depois a sexo na casa de alguém que você nunca viu é, ainda assim, melhor do que viver acreditando que toda quarta-feira seu marido joga futebol com os amigos.

Por essas razões, acredito que, entre aqueles que nasceram a partir dos anos 1980, a possibilidade de se tornarem não monogâmicos é discutida, sobretudo, em termos de bondade e justiça: mais do que o desejo sexual, o impulso principal parece ser o desejo, tout court, de ser uma pessoa melhor. Não é coincidência que todas as formas de não monogamia se autodefinam como «éticas»: a palavra ética, um dos conceitos mais desgastados e maltratados do nosso tempo, abarca todas as nossas preocupações. Queremos consumir de forma ética, comprando tecidos artesanais e roupas de brechó ou online, queremos nos alimentar de forma ética — tornando-nos veganos ou vegetarianos para causar menos impacto ambiental e não provocar sofrimento a outros seres vivos — e somos, no geral, movidos por uma preocupação neurótica constante de nos tornarmos pessoas melhores.

Não posso deixar de me perguntar, ao mesmo tempo, se realmente no desejo e no amor a ética têm realmente o papel central que gostaríamos que tivesse: quando falamos de poliamor, estamos mesmo sendo movidos apenas pelo altruísmo? Em uma entrevista, uma influencer contou recentemente que sempre traiu seus parceiros, e que por isso prefere estar em relacionamentos não monogâmicos: «Eu não concebo a posse do corpo alheio», disse, tentando se explicar. Venho de uma família com mais divórcios do que casamentos bem-sucedidos; conheço pessoas que traíram, e as dezenas de razões diferentes pelas quais o fizeram. Mais: sei por que razões eu mesma traí e por que, às vezes, escolhi ser a amante — e nenhuma dessas razões incluía a minha (ou de outrem) «incapacidade de conceber a posse do corpo dos outros».

Essa entrevista me fez lembrar da famosa fala da personagem interpretada por Monica Vitti no filme Dramma della gelosia, de Ettore Scola: Adelaide está apaixonada por dois homens ao mesmo tempo, e trai ambos. Quando sofre um colapso nervoso e é internada em um hospital psiquiátrico ruim, ela pergunta ao médico que a está tratando: «Mas qual é a natureza do meu mal? Tive um trauma? Estou em choque? É um distúrbio neurovegetativo ou é porque sou uma vagabunda?»

É difícil não se perguntar se esse desejo por limpeza, por transparência, não funciona também como uma defesa contra os riscos inerentes aos relacionamentos monogâmicos: o abandono por parte do parceiro por alguém melhor, mais jovem, numa fase da vida em que um ou outro sente que tem menos charme ou oportunidades do que antes. Na coletânea Fogueiras, de Marguerite Yourcenar, Clitemnestra ainda está disposta a perdoar Agamenon pelas traições sofridas, até que um dia se olha distraidamente no espelho e se vê, contrariando toda a linguagem ética, como «uma velha cozinheira obesa». Não mais jovem, não mais desejável, ela entende que perdeu tudo.

Ainda assim, nem o poliamor é tão simples quanto parece: o escritor italiano Vincenzo Latronico diz que quem não pratica poliamor pensa em orgias, enquanto quem pratica tem ótima familiaridade com: Google Calendar. Gerenciar vários parceiros exige grande capacidade de organização, boa memória para os compromissos assumidos, disposição para cuidar de muitas pessoas. O que, afinal, são habilidades de um bom currículo profissional — e isso por si só já pode desanimar alguns. Evitar a dor das mentiras, da incerteza e da inibição é algo positivo, mas temos certeza de que desenvolver boas skills uteis em um team sejam muito melhor?

Tendemos a olhar apenas para as vantagens da suposta liberdade: por que nos privar de algo ou de alguém que pode nos dar prazer? Por que não podemos escolher tudo? O filósofo holandês Baruch Spinoza escreveu que «Toda determinação é uma negação»— máxima que ficou famosa também pelo uso que Hegel fez dela: Omnis determinatio est negatio (1816). Para não correr o risco de negar algo a nós mesmos, queremos escolher tudo: mais sexo, mais amor, a liberdade de dormir com qualquer pessoa que nos pareça atraente; rejeitamos o risco de nos sentirmos feridos ou de ferir, estabelecemos novos limites, nos impomos o dever de comunicar nossos medos, na esperança de que tomar essas precauções torne o ato de se apaixonar menos arriscado. Não queremos que quem nos ama se magoe com nosso desejo — que se sinta abandonado, com medo, confuso ou simplesmente triste —, queremos que aceite, e que pare de «conceber a posse privada do corpo alheio». Mas talvez o ciúme não esteja ligado à posse, e sim à necessidade de se sentir escolhido e especial. Não é isso o amor? «Você, justamente você», escrevia Roland Barthes em Fragmentos de um discurso amoroso, na entrada «adorável». A palavra, para Barthes, traduz e descreve o sentido do «ipse latino: ele mesmo, em pessoa». «Na minha vida, encontro milhões de corpos; desses milhões, posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um». Não sei se o poliamor pode salvar os casais; e não sei se a monogamia é realmente tóxica e patriarcal, ou se apenas tem um problema de marketing. Há quem tenha aberto o próprio casamento e diga que isso salvou a relação; e há quem, como a escritora Haley Mlotek, conte que abriu o casamento quando, talvez, deveria simplesmente ter tentado trair: «Não abram seus relacionamentos. Cresçam e arranjem um amante».

O poliamor, então, parece ser a única cura para o casal monogâmico velho e cansado, capaz de trazer de volta, espera-se, paixão, entusiasmo, frescor — e certamente possui, tanto quanto o potencial para ser sua salvação, qualidades que podem ser sua ruína. «Com certeza você vai acabar se arrependendo de ter um casamento aberto, se esse casamento terminar em divórcio», escreve Mlotek em seu livro No Fault: A Memoir of Romance and Divorce: o casamento já estava condenado a acabar, ou foi o peso de uma história paralela e dolorosa («Ele foi cruel; eu fui impiedosa» é o resumo direto que ela faz) que realmente o destruiu? Talvez, tanto no poliamor quanto na monogamia, coloquemos expectativas excessivas: nenhuma fórmula pode nos preservar do sofrimento ou da possibilidade de sermos cruéis e de ferirmos outra pessoa. «Nenhum tipo de relação é melhor que outro. Quando percebo que estou sendo muito julgadora, lembro a mim mesma que a não monogamia funciona mais ou menos tão bem quanto a monogamia, ou seja: não muito».

É fundamental distinguir as diferentes formas que a não monogamia pode assumir: a mais comum é a do relacionamento aberto, em que a ideia de casal monogâmico não é completamente desfeita. O sexo fora da relação é permitido, mas não é permitido ter relações sentimentais e românticas significativas com quem não seja o parceiro principal. Esse último tipo de situação poliamorosa, a mesma descrita por Mlotek, é considerado por muitos também o mais problemático, e o mais evidentemente contraditório. Para quem enxerga na não monogamia um potencial transformador muito mais amplo e radical, não apenas para o casal, mas para a ideia mesma de relações e de família, estabelecer uma hierarquia entre os parceiros seria mais uma injustiça travestida de progressismo. Nessa visão do poliamor, indiscutivelmente mais radical, o foco principal não é tanto o sexo, mas o amor: se o sentido da prática é ter várias relações justas e igualitárias, então é evidente como é injusto dar mais importância a um parceiro em detrimento dos outros apenas por causa de seu status — esse parceiro pode, simplesmente, estar na sua vida há mais tempo; pode ser a pessoa com quem você teve filhos, com quem compartilha preocupações que vão desde a escolha do destino para o próximo feriado prolongado até a muito menos glamourosa tarefa de pagar o financiamento ou cuidar de crianças doentes. Ao mesmo tempo, me pergunto se é possível manter várias relações horizontais e plenamente igualitárias: o tempo de qualquer um é limitado, e não é possível se doar em partes iguais a todas as pessoas que amamos. Nossos recursos se esgotam, nossas escolhas não são infinitas. E, além disso, não acabariam todos esses compromissos contradizendo o princípio libertário que motivou a escolha lá no começo?

As redes sociais estão repletas de vídeos com instruções, conselhos e esquetes de todo tipo para ensinar quem está se aproximando do poliamor sobre como se comportar: as páginas têm nomes que falam sobre decolonizar o amor e os relacionamentos, e quem aparece nos reels curtos que compõem esses perfis soa razoável, maduro, convincente. As questões tratadas são diversas: há quem pergunte onde encontrar outras pessoas poliamorosas, e quem critique ferozmente a prática. Há quem diga que é possível ser monogâmico e ainda assim sentir atração por outras pessoas, bastando se controlar — é apenas uma questão de disciplina. Não, respondem os educadores: talvez precisemos considerar a possibilidade de que a monogamia não é algo natural, e se ela exige tanto esforço, então deveria ser abandonada.

Esse argumento — o da não naturalidade dos comportamentos monogâmicos — é frequentemente apresentado, e com grande satisfação, pelos profetas do poliamor. «Natural» parece ter se tornado uma palavra mágica: tudo o que não é, do vinho com sulfitos aos casamentos burgueses, deveria ser evitado; se não é natural, não pode fazer bem. O argumento tem, sem dúvida, uma parte de verdade: a natureza — seja lá o que isso signifique — não impõe sempre a monogamia. Mas é importante perguntar por que achamos que devemos olhar para a natureza em busca de direção para nossos comportamentos. Em uma tentativa de responder a essa pergunta complexa, que atravessa a história do pensamento pelo menos desde Aristóteles, a historiadora e filósofa Lorraine Daston escreveu que parece «altamente duvidoso derivar a legitimidade da ordem humana de sua suposta origem na natureza». (Daston, 2018: Against Nature. The MIT Press). O argumento da não naturalidade foi, por muito tempo, usado pelo pensamento reacionário para justificar todo tipo de crueldade, da escravidão à subordinação das mulheres — naturalmente fracas e serviçais. «A homossexualidade não é natural» é uma das justificativas clássicas, em ambientes conservadores, para a homofobia; o mesmo é dito sobre a transição de gênero e sobre cirurgias de afirmação de gênero. Observar que algumas espécies de mamíferos apresentam ocasionalmente comportamentos homossexuais não pode ser a razão para respeitarmos as pessoas homossexuais. Afinal, tudo aquilo que une os seres humanos é, de certa forma, cultura: a estrutura social das abelhas é cultural, assim como são culturais — e profundamente humanas — decisões como fazer ou não um aborto, fazer uma transição de gênero ou cuidar de pessoas vulneráveis. Fazemos tudo isso porque a cultura faz parte de quem somos tanto quanto, ou mais que, a natureza. Guerras e massacres se repetem ao longo das eras; ainda assim, poucos os defendem com base em sua naturalidade. Aquilo que chamamos de «amor» é uma construção cultural: a decisão de viver relações afetivas, monogâmicas ou não, é em si mesma cultural. E, afinal, muitas coisas maravilhosas não são naturais, nem servem a propósitos evolutivos: ar-condicionado, comida pronta do supermercado, MDMA, sapatos, sexo oral.

A monogamia expõe a riscos, e o poliamor também: pergunto-me se estamos realmente, de um lado ou de outro, dispostos a fazer do medo do risco e da dor a nossa principal preocupação; se precisamos de mais regras e esforço para cumpri-las, ou de mais dedicação, mais empenho, mais cuidado com o que é frágil. «O amor», escreveu Rimbaud, «deve ser reinventado». E talvez o sentido dessa reinvenção não esteja tanto nas novas formas e regras que seremos capazes de criar, mas — é apenas uma hipótese minha — em recolocar no centro das nossas relações toda a nossa ternura e nosso desejo, aceitando a frustração e o risco que todas as relações inevitavelmente carregam.