A sociedade como veredito
Didier Eribon
«Minha mãe me deu uma foto inteira. Eu a mutilei. O passado, eu o conhecia! Eu queria apagá-lo. Nada sobre meu pai! Porém, de certa maneira, o resultado é o mesmo. Ainda é possível discernir, próximo à margem da foto, um pedaço da camisa xadrez que ele usava naquele dia. Isso atrai o olhar, como atrairia um detalhe bizarro em um quadro arruinado, e confere um caráter de insistência à presença renegada daquele que tornei ausente. Talvez eu também tenha desejado, com este livro que agora apresento à leitura, A sociedade como veredito, partir em busca dessa parte que desapareceu da foto. Não que eu ignore o que figurava nela. Fui eu que a suprimi e que a joguei fora para que ninguém pudesse, jamais, pedi-la de volta. Apesar disso, eu queria saber mais e saber melhor. Menos para me conhecer ou conhecer meu pai, e mais para dar conta da ordem do mundo e das determinações sociais – e políticas – que seu funcionamento inscreve nos menores detalhes de nossa existência, da minha, da dele e da relação entre nós… Não seria meio tarde para isso? Meu pai já não está por aqui para me confiar as informações que antes me interessavam tão pouco e que hoje eu desejo tanto».
Descrição
«Nenhuma identidade dada constitui necessariamente um modo de autoafirmação política», afirma Didier Eribon a certa altura de seu A sociedade como veredito. Eribon exerce aqui a colheita, em cada encontro, da história de estruturas sociais, de hierarquias enraizadas e dos modos de dominação reproduzidos por essas mesmas estruturas e hierarquias. O autor de Retorno a Reims recupera o relato publicado em 2009 para extrair, do incômodo de sua publicação, a possibilidade de uma revisita mais profunda ao mundo operário de sua infância. Este novo retorno se configura por meio da sobreposição de um ensaio autobiográfico a uma genealogia das enunciações, cujo horizonte maior seria, por um lado, «restituir a multiplicidade dos pontos de vista» e, por outro, produzir uma «reapropriação teórica e política de si». É assim, generoso com as pluralidades e as dissonâncias — dos outros e de si mesmo —, que o autor navega ao lado das escritas de Pierre Bourdieu, Annie Ernaux e outros sujeitos de enunciações tensionadas, biograficamente emaranhadas, para compor um percurso de beleza e densidade admiráveis. Ao destacar que «a política inovadora é necessariamente uma política de si sobre si», Eribon apresenta um mapa para que se renove a análise de classes, de trajetórias e de identidades. Afinal, «não se rompe com a ordem estabelecida com uma vara de condão». \n \nAcompanhe a playlist sobre o livro A sociedade como veredito produzida por Uiara Azevedo, no Spotify: \n \nhttps://open.spotify.com/playlist/0Wn3Ee8H9KOxjrAzVC6Mz3?si=7a81da9effe84553Didier Eribon, filósofo e sociólogo francês, é atualmente professor da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Amiens, já tendo lecionado na Universidade de Berkeley (Estados Unidos). Recebeu em 2008 o Brudner Prize, concedido todos os anos pela Universidade de Yale. Dele, a Âyiné publicou Retorno a Reims (2020) e A sociedade como veredito (2022).
Ficha Técnica
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Peso
500 g -
Tradução
Luzmara Curcino -
Dimensões
14 cm x 1 cm x 18 cm cm -
Ano de Publicação
2022 -
Páginas
320